Entre as várias razões dadas pelo Talmud para não se usar o chifre de uma vaca como Shofar, existe esta, declarada pelo grande sábio Abaie:
שׁוֹפָר אָמַר רַחֲמָנָא, וְלֹא שְׁנַיִם וּשְׁלֹשָׁה שׁוֹפָרוֹת. וְהָא דְּפָרָה, כֵּיוָן דְּקָאֵי גִּילְדֵי גִּילְדֵי — מִיתְחֲזֵי כִּשְׁנַיִם וּשְׁלֹשָׁה שׁוֹפָרוֹת
Este era o raciocínio dos rabinos: O Misericordioso disse para tocar um único shofar , e não dois ou três shofarot juntos, mas este chifre de vaca, visto que é composto de camadas, parece com dois ou três shofarot.
O Rashi (rabino Shlomo ben Itzhak, 1040-1105) explica esta passagem assim:
גילדי גילדי - בכל שנה ושנה ניכרת תוספתו והוא כמין גלד מוסיף על גלד ראשון בתכליתו של ראשון תחילת השני
[sobre a frase] cresce em camadas: O novo crescimento pode ser visto todos os anos. É uma camada adicional sobre a primeira camada, com cada ano adicionando a outra.
Nesta ilustração, vemos os estágios do desenvolvimento do chifre em bovinos (Bos taurus).
(A) No bezerro recém-nascido não há protrusão tangível no crânio, mas o local do futurochifre é coberto por um par de manchas peludas. Abaixo da epiderme, as estruturas chamadas mesenquimais e as glândulas sebáceas se acumulam. A elevação do osso frontal subjacente começa.
(B, C) No animal jovem entre 2 e 6 meses de idade, uma protrusão é visível e o núcleo primitivo se desenvolve sob a epiderme e acima do osso frontal. A chamada queratinização já começa na epiderme. O núcleo sofre ossificação e então é fundido ao osso frontal protuberante (em forma de cúpula) subjacente.
(D) Dos 6 meses de idade à idade adulta, o cerne frontal entra na base do núcleo e a chamada pneumatização prossegue até os 3 ou 4 anos de idade. A queratinização continua gradativamente na epiderme. * Não fica claro em que estágio o periósteo é formado ao redor do osso central. No animal adulto, o osso central é recoberto pelo periósteo.
Elucidações de Nasoori A. Formação, estrutura e função de ossos extra-esqueléticos em mamíferos. Biol. Rev. (2020).
Um artigo útil da Escola de Medicina Veterinária de Hokaido no Japão, publicado no ano passado, revisa a questão da formação, estrutura e função de compartimentos ósseos como chifres (e outras partes também) em mamíferos.
Diz tudo o que você precisa saber sobre como as renas criam seus chifres, as girafas seus ossicones e os rinocerontes seus incríveis chifres frontais.
Também detalha como os chifres das vacas crescem, então parece o lugar certo para procurar ajuda para entender a página de hoje do Talmud.
No gado, os chifres começam no início da gestação como protusões de chifre primitivos, mas não há ossificação (o processo pelo qual algo se torna osso) até o nascimento do bezerro.
Então, um par de núcleos primitivos se desenvolve acima da área frontal (veja na figura mostrada antes, B).
Esses núcleos semelhantes a um tecido conjuntivo formarão mais tarde o núcleo ósseo do chifre. Mas esses núcleos primitivos não teriam adesão ao osso frontal subjacente até que se fundam com ele por volta dos dois meses de idade (C). Posteriormente, o núcleo começa a crescer e ossifica, ocorrendo alterações na camada de pele sobre ele, chamada de epiderme; que então, se torna queratinizada para gerar uma superfície dura.
O meio do chifre em crescimento tem uma base oca muito parecida com os "seios da face", que temos em nossos rostos, de modo que, além de sua ponta, o chifre tem uma estrutura oca esponjosa (D).
“A queratinização da epiderme”, observa este artigo, “continua ao longo da vida do animal e, dependendo da espécie, os chifres podem assumir vários comprimentos, tamanhos e formas.”
Houve alguma controvérsia sobre se o chifre de uma vaca cresceria a partir da base da ponta.
Mas em seu artigo de revisão de 1983 chamado, The Interrelationships of Higher Ruminant Families with Special Emphasis on the Members of the Cervoidea = As Inter-relações das Famílias de Ruminantes Superiores com Ênfase Especial nos Membros da Cervoidea, Janis e Scott concluíram que “na verdade, nem o núcleo nem a "bainha" crescem a partir da base. O núcleo ósseo cresce tanto a partir da ponta e pelo crescimento aposicional sobre a superfície e a bainha é continuamente produzida em toda a superfície do núcleo.”
Podemos concluir disso, que o chifre de uma vaca realmente cresce continuamente, embora não anualmente, como os anéis de uma árvore.
Deste modo, Abaie, que faleceu em 337 da era comum, realmente conhecia vacas.
Mas há um problema com sua explicação. As ovelhas pertencem à mesma família das vacas!
É um animal do grupo chamado de Bovidae e inclui gado, ovelhas e antílopes, como você pode ver abaixo na ilustração de um grupo de pesquisadores israelenses.
E deste modo, temos que admitir que as ovelhas crescem seus chifres do mesmo modo que o gado, o que significa que, ovelhas também tem chifres "גִּילְדֵי גִּילְדֵי" ou em camadas.
O que os tornaria, segundo o argumento da página de hoje, tão proibidos quanto chifres de vaca!
Só não vá dizer isso para um fanático religioso que estiver tocando um Shofar!
De Dekelet al. Dispersão de um retroposon antigo no promotor TP53 do grupo Bovidae: filogenia, novos mecanismos e implicações potenciais para a persistência do leite de vaca. BMC Genomics (2015) 16 : 53.