Avraham e Itzhak são personagens que, a Torá nos diz terem cavado um poço em Beersheva. Além disso, ambos fizeram um acordo com o rei Avimele'h.
Mas, qual história veio primeiro?

Na imagem: Avimele'h e Itzhak prestando juramento (detalheda obra), de Jan van Vianen, após Gerard Hoet (I), 1720 - 1728. Rijksmuseum.nl
O rabino David Frankel, começa, observando a primeira ausência de Avraham: Itzhak mente para Avimele'h:
Conhecemos a cena: Itzhak e Rifkah se mudam para a cidade dos Filisteus, Guerar, por causa de uma situação de fome.
Em algum momento a narrativa nos diz que, os moradores locais começaram a notar a beleza de Rifkah:
(7) Quando os homens do lugar lhe perguntaram sobre sua esposa, ele disse: "Ela é minha irmã", pois tinha medo de dizer "minha esposa", pensando: "Os homens do lugar podem me matar por causa de Rifkah, porque ela é bela."
Os medos de Itzhak não tem sentido e, no entanto, e o assunto fica em segundo plano na narrativa, até que a mentira acaba sendo acidentalmente descoberta pelo próprio rei de Guerar:
(8) Passado algum tempo, Avimele'h, rei dos Filisteus, olhando pela janela, viu Itzhak brincando com sua esposa Rifkah.
Reagindo a esta revelação surpreendente, Avimele'h convoca Itzhak:
(9) Avimele'h chamou Itzhak e disse: “Então, ela é sua mulher! Por que então você disse: ‘Ela é minha irmã?’” Itzhak disse a ele:“ Porque pensei que poderia perder minha vida por causa dela”.
Como a narrativa deixa bem claro, Avimele'h expressa choque e medo do risco de cometer tal pecado. Tendo ouvido a preocupação de Itzhak, o rei segue sua repreensão, garantindo ativamente que ninguém machuque Itzhak ou incomode sua esposa. Em outras palavras, a narrativa mostra que Avimele'h era uma pessoa justa dentro dos padrões da época, e que Itzhak é quem estava paranóico.
No contexto do Sêfer Bereshit porém, a reação de Avimele'h parece incompleta.
Apenas alguns capítulos anteriores (em Bereshit 20), este mesmo personagem, Avimele'h, rei de Guerar, experimentou a mesma mentira, do pai de Itzhak, Avraham.
[Note que, de acordo com o Radak, o texto de Bereshit 26 se refere a um filho de Avimele'h de Bereshit 21. Basta ver seu comentário a Bereshit 26 : 15. O Ramban, por outro lado, admite ser possível que o texto se referisse ao mesmo rei. Basta ver seus comentários sobre Bereshit 26 : 1.
De uma perspectiva crítica, há pouco espaço para distinguir entre os personagens dos dois textos e, também para dizer que seriam "duas pessoas" distintas. A crítica de fonte clássica, normalmente atribui Bereshit 21 : 22 - 34 a tradição E com pequenos toques redacionais nos versos 32 - 34, e Bereshit 26, além de adições redacionais, para tradição J. Para saber mais, veja o trabalho de John Skinner, Genesis, ICC (Edinburgh: T & T Clark, 1910, 1963).]
Então, por que Avimele'h não questiona a afirmação de Itzhak, de que Rifkah seria "sua irmã", logo após ter ouvido a mesma coisa que Avraham tinha dito, a respeito de Sarah, e ter até passado por transtornos que não seriam simplesmente esquecidos?
[Note também, que o Shadal (o rabino Shmuel David Luzzatto, 1800-1865) sugeriu que Avimele'h imediatamente suspeitou que Itzhak estava seguindo "os passos de seu pai", e então teria sido por isso que o seguiu secretamente, até que encontrou evidências para provar suas suspeitas (verso 10):
אחד העם – אבל המלך עצמו לא היה נכשל בזה, אם להיותו זקן, ואם כי כבר נכוה כשלקח את שרה; ונראה כי לפיכך לא האמין ליצחק כשאמר אחותי היא ודיקדק אחריו עד שעלתה בידו לראותו מצחק עמה.
“Um dos homens” [quase deitou-se com sua esposa] - mas não o próprio rei, que não teria cometido nenhum erro a esse respeito, porque era muito velho e também porque já havia sido afetado, quando tomou Sarah. Parece que, por este motivo, ele não acreditou em Itzhak quando disse "ela é minha irmã" e o acompanhou de perto, até que ele o encontrou brincando com ela.]
E ainda assim, por que Avimele'h não se refere a esse incidente em seu drama repreendendo Itzhak?
Seria de se esperar que ele dissesse: "Tal pai, tal filho!" ou algo nesse sentido.
Neste ponto, o rabino Frankel comenta sobre a segunda ausência de Avraham: Itzhak faz um juramento a Avimele'h
Este mesmo problema, visto até aqui, se reflete na próxima história.
Itzhak ficou rico e os moradores locais ficaram com inveja, levando Avimele'h a enviar Itzhak para longe da cidade (versos 12 a 17).
Itzhak se muda para a região do vale e cava poços ali, mas as pessoas contestam seu direito de fazer isso, até que ele se afasta cada vez mais dos territórios de disputas, e acaba nas proximidades de Beershevah, onde se estabelece (versos 18 - 25).
Neste ponto, Avimele'h aparece novamente:
(26) E Avimele'h veio a ele de Guerar, com Ahuzat seu conselheiro e Fihol chefe de suas tropas. (27) Itzhak lhes disse: “Por que vocês vieram a mim, visto que foram hostis comigo e me expulsaram de perto?” (28) E eles disseram: “Agora vemos claramente que o HaShem tem estado com você, e pensamos: Que seja feito um tratado, um juramento entre as nossas duas partes, entre você e nós. Nos deixe fazer um pacto com você (29) de que você não nos fará mal, tal como nós, não o incomodaremos, mas sempre o trataremos com bondade e o despedimos em paz. De agora em diante, seja bendito do HaShem!”
O rabino David Frankel nota como é estranho que Avimele'h não reconheça que ele já tinha feito, mais ou menos o mesmo acordo com o pai de Itzhak, Avraham, exatamente neste mesmo lugar (em Bereshit 21 : 22 - 34).
E Itzhak também não dá sinais de reconhecer a existência de um acordo já feito entre Avimele'h e seu pai; em vez disso, cada um deles faz um pacto como se nenhum acordo existisse antes...
(30) Então ele preparou um banquete para eles, e eles comeram e beberam. (31) No início da manhã, eles trocaram juramentos. Itzhak então se despediu deles, e eles partiram em paz.
Nomeando Beershevah de novo?
A ausência de Avraham, é novamente sentida no final da nossa narrativa.
Depois que Avimele'h e seus homens saíram, os servos de Itzhak vieram lhe dizer que cavaram outro poço, neste novo local, e encontraram água:
(33) Ele o chamou de Shivah; portanto, o nome da cidade é Beer-Shevah até hoje.
Mais uma vez, o texto não faz menção de que o local já se chamava Beershevah, por causa do juramento que Avraham e Avimele'h tinham feito lá:
(31) Por isso aquele lugar foi chamado Beer-Shevah, pois lá os dois fizeram um juramento.
Estas evidências sugerem, como constatado pelo estudioso bíblico alemão Martin Noth (1902-1968) que a narrativa central de Itzhak entrando e saindo de Guerar, era originalmente independente e não relacionada às histórias de Avraham.
Em seu contexto original, esses episódios apresentavam os eventos como acontecendo pela primeira vez.
Avimele'h não questiona a afirmação de Itzhak de que Rifkah era sua irmã, simplesmente porque ele nunca havia encontrado uma pessoa que mentisse sobre o assunto.
O juramento entre Itzhak e Avimele'h em Beershevah não tinha precedentes nesta versão da história, e o nome do local derivou apenas desse juramento nesta tradição.
Noth propôs que as tradições de Itzhak e Avraham se desenvolveram originalmente de forma independente em torno dos locais de culto vizinhos no sul de Israel. Na reconstrução de Noth então, as tradições de Iáacov foram primeiro suplementadas com as tradições de Itzhak e, em um estágio posterior, com as de Avraham. As ligações genealógicas entre as figuras foram fornecidas apenas quando as tradições foram reunidas. Nada ainda sugeria que muito do material agora no ciclo narrativo de Avraham pertencia originalmente à tradição de Itzhak. Embora grande parte da reconstrução de Noth seja altamente conjetural, o rabino Frankel admite que a tese básica sobre a primazia e a prioridade da tradição de Itzhak em relação à tradição de Avraham está amplamente correta. Ver M. Noth, A History of Pentateuchal Traditions, traduzido com uma Introdução de Bernhard W. Anderson (Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1972), 102–115; e traduzido da obra Überlieferungsgeschichte des Pentateuch (Stuttgart: W. Kohlhammer Varlag, 1948).
Na verdade, um exame mais atento das referências a Avraham no capítulo 26 mostram que são mesmo adições redacionais, cujo objetivo seria conectar as histórias de Itzhak e Avraham.
FOME
O capítulo começa dizendo:
(א) וַיְהִ֤י רָעָב֙ בָּאָ֔רֶץ מִלְּבַד֙ הָרָעָ֣ב הָרִאשׁ֔וֹן אֲשֶׁ֥ר הָיָ֖ה בִּימֵ֣י אַבְרָהָ֑ם וַיֵּ֧לֶךְ יִצְחָ֛ק אֶל־אֲבִימֶ֥לֶךְ מֶֽלֶךְ־פְּלִשְׁתִּ֖ים גְּרָֽרָה׃
(1) Havia fome na terra - além da fome anterior que ocorrera nos dias de Avraham - e Itzhak foi para Avimele'h, rei dos Filisteus, em Guerar.
Perceba como o verso flui muito melhor, sem a adição textual, aqui mostrada em negrito.
Se vê que a inserção começa com a palavra מלבד, que, conforme observado por Israel Knohl, introduz comentários editoriais tardios em todo o Humash.
[Ver o trabalho de Israel Knohl, The Sanctuary of Silence: The Priestly Torah and the Holiness School, tradução de Jackie Feldman e Peretz Rodman (Minneapolis: Fortress, 1995), 56-58; traduzido de מקדש הדממה: עיון ברובדי היצירה הכוהנית שבתורה (Jerusalem: Magnes, 1992).]
A inserção textual, teve o objetivo de incorporar a história dentro do fluxo narrativo de Bereshit, apresentando a fome de Itzhak como se fosse, uma segunda fome, deixando "a primeira" como aquela que teria feito Avraham descer ao Egito (em Bereshit 12 : 10).
NÃO VÁ PARA O EGITO... E A BÊNÇÃO 1
Antes de Itzhak chegar a Guerar, temos uma cena, aonde o HaShem teria falado com ele:
(2) O HaShem apareceu a ele e disse: “Não desça ao Egito; fique na terra que te indico. (3) Você deve residir nesta terra, e Eu estarei com você e te abençoarei; Vou atribuir todas essas terras a você e aos seus herdeiros, cumprindo o juramento que fiz a Avraham, seu pai. (4) Eu farei seus herdeiros tão numerosos quanto as estrelas dos céus, e atribuirei a seus herdeiros todas estas terras, de modo que todas as nações da terra sejam abençoadas por seus herdeiros - (5) visto que Avraham Me obedeceu e guardou Meu encargo: Meus mandamentos, Minhas leis e Meus ensinamentos.”
O verso 1 não dá nenhuma indicação de que Itzhak pretendia sequer descer ao Egito; seu destino era Guerar.
Isso sugere que os versos 2 - 5 são secundários. Foram adicionados depois.
O acréscimo indica também que deixar a terra, como Avraham e Iáacov fizeram, era menos do que ideal.
Assim, Itzhak, a este respeito, era o patriarca ideal como se fosse, aquele que nunca sai da terra.
Isso se encaixa com a história de Bereshit 24, em que Avraham envia seu servo, para encontrar uma esposa para Itzhak e o incumbe especificamente "de não tirar Itzhak da terra" por nenhum motivo.
[A personagem secundária dos versos 2 - 5 também "se trai" por assim dizer, por meio da linguagem do verso 5, algo que muitos estudiosos acadêmicos apontam como evidências de uma linguagem da tradição D. Por outro lado, como Wenham observou, וישמר משמרתי, “guardou meu encargo,” é um tipo de expressão, mais no estilo Sacerdotal (tradição P). Ver o trabalho de Gordon J. Wenham, Genesis 16-50, WBC 2 (Dallas: Word Books, 1994), 190.]
Esta adição atribui o grande sucesso que tTzhak experimentaria em Geurar por ser "filho de Avraham".
Teria sido seu pai, a pessoa a quem o HaShem concedeu bênçãos divinas, por causa de sua obediência exemplar aos "mandamentos" Divinos, e Itzhak, como seu filho, simplesmente herda essas bênçãos, que incluíam riquezas, promessa de descendência abundante e herança da terra.
[E encontramos uma preocupação parecida em apresentar "a boa sorte" daqueles que estavam perto de Avraham como produto da bondade divina para com Avraham, em outras passagens também. Veja Bereshit 17 : 20; 19 : 29; 21 : 13.]
Sem os versos 2-5, a impressão clara do leitor seria que Itzhak foi abençoado, devido ao seu próprio mérito pessoal, por ele mesmo ser uma boa pessoa.
POÇOS
Depois que Avimele'h manda Itzhak para fora de Guerar, Itzhak segue para um vale próximo (os acréscimos redacionais são mostrados em negrito):
(15) E os Filisteus taparam todos os poços que os servos de seu pai haviam cavado nos dias de seu pai Avraham, enchendo-os de terra. (16) E Avimele'h disse a Itzhak: “Se afasta de nós, porque você se tornou grande demais para nós”. (17) Então Itzhak partiu dali e acampou no wadi de Guerar, onde se estabeleceu. (18) Itzhak cavou novamente os poços que haviam sido cavados nos dias de seu pai Avraham e que os Filisteus haviam fechado após a morte de Avraham; e deu-lhes os mesmos nomes que seu pai lhes dera. (19) Mas quando os servos de Itzhak, cavando no wadi, encontraram lá um poço de água de nascente, (20) os pastores de Guerar discutiram com os pastores de Itzhak, dizendo: "A água é nossa." Ele chamou isso de Essek, porque eles contenderam com ele. (21) E quando cavavam outro poço, disputavam por aquele também; então ele o chamou de Sitnah. (22) Ele mudou-se dali e cavou outro poço, e eles não discutiram por causa dele; então ele o chamou de Rehovot, dizendo: “Agora, finalmente, o HaShem nos concedeu amplo espaço para crescermos na terra”.
O versículo 15 é claramente um aparte sobre algo que ocorreu no passado, preparando o leitor para o versículo 18, que também parece um comentário lateral.
[Observe os comentários atentos do Rashbam (o rabino Shmuel ben Meir, 1085–1158) sobre o verso 15:
סתמום פלשתים – שלא יחזיקו בניו בהם אחרי מותו. והוצרך לכתוב בשביל שכשנתרחק משם שב וחפרם, דוגמת: וחם הוא אבי כנען (בראשית ט׳:י״ח).
[sobre a frase] “Que os Filisteus haviam fechado” para que seus filhos (de Avraham) não os usassem, depois de sua morte. Isso precisava ser escrito porque, quando ele (Itzhak) se distanciou dali (Guerar), foi cavar novamente. Isso é semelhante a frase “e Ham, este é o pai de Kena'an” (Bereshit 9 : 18).]
A ideia de que Itzhak cavou novamente e renomeou (com os mesmos nomes!) os poços que Avraham tinha cavado, pois os Filisteus taparam os poços, não é coerente com a continuação da narrativa, que descreve os servos de Itzhak cavando e encontrando água normalmente (versos 19, 32); eles não abriram poços já conhecidos.
Da mesma forma, ao descrever o nome real (versos 20 - 22), não há indicação de que os nomes que Itzhak deu aos poços sejam outra coisa senão os seus.
Os versos 15 e 18 foram compostos para explicar que Avraham teria sido quem primeiro cavou os poços em Beershevah e quem teria dado o nome (Bereshit 21), mas depois que ele morreu, os Filisteus o taparam.
Assim, quando Itzhak chegou na mesma região (Bereshit 26), ele voltou para Beershevah, abriu o poço de seu pai e o renomeou com o mesmo nome!
O redator trabalha de modo retrospectivo, a partir de Beershevah, e afirma que os outros poços de Itzhak, Essek, Sitna e Rehobot (versos 19 - 22) já foram de Avraham também, e os Filisteus é que os fecharam.
[A linguagem da disputa entre os pastores de Itzhak e os pastores Filisteus aqui (26 : 19 - 21) também lembra a disputa entre os pastores de Avraham e Lot (13 : 7, 8)]
A ação do redator aqui desejava comunicar que Itzhak, não foi um ato criativo nesta questão de cavar poços.
Ele teria seguido o caminho traçado pelo seu grande pai.
A BENÇÃO 2
Itzhak se move em seguida para Beershevah, e temos a cena em que o HaShem fala com ele novamente (os acréscimos redacionais estão em negrito):
(23) De lá ele subiu para Beer-Shevah. (24) Naquela noite o HaShem apareceu a ele e disse: “Eu sou o Elohim de teu pai Avraham. Não temas, porque Eu Estou com você, e vou abençoá-lo e aumentar a sua descendência por amor de Meu servo Avraham. ” (25) Então ele construiu um altar ali e invocou o nome do HaShem. Itzhak armou sua tenda lá e seus servos começaram a cavar um poço.
A natureza secundária da inserção (em negrito) interrompe o fluxo de mover-se para Beershevah e cavar um poço שָׁם, "lá".
Esses versos mais uma vez introduzem uma teofania divina que apresenta Itzhak como abençoado com numerosos descendentes por causa de Avraham.
Além disso, a construção de um altar “ali” de Itzhak antes que seus servos cavassem o poço reinventa a mudança para Beershevah, como uma jornada "religiosa", semelhante à viagem de Avraham pela terra, erguendo altares e chamando o nome de HaShem (Bereshit 12 : 7, 8; 13 : 4, 18).
Este altar de Beershevah será visitado novamente por Iáacov quando este descer para a terra do Egito (confira Bereshit 46 : 1 - 5a), e assim esta inserção cria ligações tanto com o pai de Itzhak, Avraham, quanto com seu filho, Iáacov, em outras palavras, produzindo a família de três gerações de Avraham, Itzhak e Iáacov.
E os paralelos de Avraham?
Esta análise sugere que a narrativa original apresentou todos os esforços de Itzhak neste capítulo como suas próprias realizações sem precedentes; eles originalmente não tinham nada a ver com Avraham.
E ainda, mesmo se removermos os suplementos redacionais, as histórias de Itzhak e Avraham mantêm muitos paralelos:
- Fome - Itzhak se move por causa de uma fome (26 : 1) e Avraham se move por causa de uma fome (12 : 10).
- Guerar — Itzhak se estabelece em Guerar (26 : 6), que era governado por Avimele'h (26 : 1, 8), e Abraão se estabelece em Guerar (20 : 1), que era governado por Avimele'h (20 : 2).
- História de esposa e irmã - Com medo dos moradores de Guerar, Itzhak passa por Rifkah como sua irmã (Bereshit 26 : 7). Avraham faz isso duas vezes com Sarah, uma vez no Egito (12 : 13) e depois novamente, como na história de Itzhak, em Guerar (20 : 2).
- Riqueza - Itzhak se torna muito rico em rebanhos e manadas (26 : 13, 14), assim como Avraham (12 : 16, 13 : 2).
- Juramento - Avimele'h vem a Itzhak, junto com Fihol, seu general, e Ahuzat, seu conselheiro, e pede a Itzhak que faça um pacto de não agressão para com eles (26 : 26-31). Essas mesmas pessoas aparecem a Avraham com o mesmo pedido básico (21 : 22 - 32). Note ainda que no texto grego da LXX, foram todos os três; no texto massorético, é apenas Avimele'h e Fihol.
- Beer-Shevah - O lugar onde Itzhak faz o juramento (a "shevu'a") é Beershevah, razão pela qual, recebe o nome (26 : 31, 33). Avraham também faz seu juramento ali, que é o motivo pelo qual a cidade recebe o nome (21 : 24, 31). e na realidade a história de Avraham tem duas etiologias para o nome, uma vez que Avraham também separa "sete" (sheva) ovelhas, como um presente para Avimele'h, em troca de que ele reconhecesse a reivindicação de Avraham sobre os poços (21 : 28 - 30).
Se as narrativas de Itzhak eram originalmente independentes das histórias de Avraham como as evidências parecem indicar, então as histórias de Avraham devem ter sido emprestadas, das histórias de Itzhak e não vice-versa!
EMPRESTANDO DAS HISTÓRIAS DE ITZHAK, POR SEREM MAIS NATURAIS
Da perspectiva da narrativa montada na Bíblia Hebraica como um todo, Avraham era a figura importante, e de grande significado teológico, enquanto Itzhak desempenha um papel insignificante, em comparação.
Seria muito mais natural para os contadores de histórias, tomarem "emprestadas", tradições de figuras marginais e aplicá-las a figuras centrais e importantes do que o contrário.
[O exemplo clássico disso está na atribuição a David, do assassinato de Goliah (Shmuel Alef 17), um ato, originalmente atribuído a Elanan, filho de Iair-Oreguim, o belemita (Shmuel Bet 21 : 19)]
Mais especificamente, muitos aspectos da história de Avraham e Sarah em Guerar (Bereshit 20) mostram evidências de que seu personagem era tardio.
O texto em si é relativamente complexo e contém vários elementos "apologéticos", como a afirmação de que Sarah seria "realmente" irmã de Avraham, por meio de seu pai (versos 12, 16).
Em contraste, o episódio de Itzhak apresentando Rifkah como sua irmã é muito mais simples e menos artificial.
Falta defensiva apologética do outro caso, e explica sucintamente como o gracioso anfitrião, Avimele'h, veio para fornecer ao casal estrangeiro proteção real.
Avimele'h foi apresentado em termos relativamente positivos na narrativa. Mesmo com a cena de que Avimele'h pede que Itzhak vá embora, quando seu povo fica "com ciúmes" de seu sucesso; segundo a narrativa, mesmo assim ele oferece proteção a Itzhak (sem nenhum tipo de "intervenção divina, forçando nada") bem como a sua esposa, e nunca prejudica Itzhak ativamente. É exatamente isso, que fornece as bases para o estabelecimento da aliança entre eles (verso 29: “assim como nós não te prejudicamos”).
O comentário de Avimele'h também estava firmemente baseado na descrição da prosperidade de Itzhak na terra.
Assim, as palavras de Avimele'h no verso 28: “Vimos claramente que o HaShem era convosco; então dissemos: ‘Deve haver um acordo juramentado entre nós ...’” aludindo aos versos 12 - 14, que retrataram amplamente a grande prosperidade de Itzhak proporcionada pelo HaShem.
Em contraste com isso, a aliança entre Avimele'h e Avraham de Bereshit 21 : 22 - 33 está fracamente amarrada ao material anterior.
Começa com o título indeterminado בָּעֵת הַהִוא, “naquele tempo”, e carece dos tipos de ligações literárias com a narrativa circundante, que encontramos na versão de Itzhak.
Embora Avimele'h tenha explicado seu desejo de uma aliança com Avraham em termos semelhantes aos do episódio de Itzhak: “Elohim está com você, em tudo o que você faz. Agora, jure-me ...” (versos 22, 23), o material textual anterior, não descreve “tudo o que Avraham fez” nem como a Divindade estaria "claramente" com ele.
O texto, portanto, parece uma adaptação bastante artificial, de uma versão anterior e mais natural.
ITZHAK... FILHO DE AVRAHAM?
A história da vida adulta de Itzhak, começa com uma afirmação repetida de que Itzhak era filho de Avraham, o que implica que sua história seria uma continuação do legado de seu pai:
(19) Esta é a história de Itzhak, filho de Avraham. Avraham gerou Itzhak.
No entanto, nem mesmo fica claro que nas tradições mais antigas de Itzhak, consideravam que ele era filho de Avraham.
É claro que a forma atual da Bíblia Hebraica, e a influência teológica (ortodoxa/autoritária) afirma de modo contundente, essa "conexão" genealógica.
Mas, as primeiras tradições de Bereshit 26 não fornecem nenhuma indicação de que Itzhak, era mesmo, filho de Avraham.
ITZHAK MENCIONADO POR AMOS
As duas referências a Itzhak no livro de Amos, sugerem a independência de Itzhak da personagem Avraham, visto que usam o nome como paralelo a Israel, sem referência a Avraham:
(9) Os santuários de Itzhak serão destruídos e os santuários de Israel reduzidos a ruínas; e eu irei contra a Casa de Ierav-Av com a espada. ”
(16) E assim, ouve a palavra do HaShem. Você diz que não devo profetizar contra a Casa de Israel ou pregar contra a Casa de Itzhak;
Esses versos reforçam a possibilidade de que Itzhak tenha sido originalmente lembrado, como uma figura representativa (o Patriarca) do reino do Norte (o verdadeiro "reino de Israel"), que era justamente o lugar onde Amos atuava como profeta!
O paralelo entre Itzhak e Israel também indicaria que Itzhak é quem era identificado como o pai de Iáacov / Israel, nesta versão!
ITZHAK, UMA PERSONAGEM ORIGINALMENTE INDEPENDENTE
A história de Itzhak forma o núcleo de Bereshit 26, cuja versão não editada o apresentou como uma figura genuinamente inovadora.
Nesta tradição, é Itzhak quem vem a Guerar dos Filisteus, apresenta sua esposa como sua irmã, desfruta de grande prosperidade, descobre e nomeia poços na região - incluindo o de Beershevah - e faz uma importante aliança com o rei Filisteu.
No que diz respeito ao desenvolvimento da tradição israelita, Avraham é quem o copiou.
De forma um tanto análoga, alguns dos elementos da tradição do profeta Eliahu, derivam das tradições concernentes a seu aluno Elishá. Veja mais sobre isso, no excelente trabalho de Alexander Rofé, The Prophetical Stories (Jerusalem: Manges, 1988), 132–135; tradução da obra סיפורי הנביאים, ed. rev. (Jerusalem: Magnes, 1986 [1982]).
