Na página de hoje do Talmud, a Mishná conta a história de como o Raban Gamliel tinha alguns gráficos especiais, que ele usava para questionar as testemunhas que afirmavam ter visto a lua nova:
דְּמוּת צוּרוֹת לְבָנָה הָיוּ לוֹ לְרַבָּן גַּמְלִיאֵל בְּטַבְלָא וּבְכוֹתֶל בַּעֲלִיָּיתוֹ, שֶׁבָּהֶן מַרְאֶה אֶת הַהֶדְיוֹטוֹת, וְאוֹמֵר: הֲכָזֶה רָאִיתָ אוֹ כָּזֶה
MISHNÁ: O Raban Gamliel tinha um diagrama das diferentes formas da lua, desenhado numa placa pendurada na parede de seu sótão, que ele mostrava aos leigos que vieram testemunhar sobre a lua nova, mas eram incapazes de descrever adequadamente o que eles teriam visto. E ele dizia a eles: Vocês viram uma forma assim ou assim?
O Talmud pergunta por que esses gráficos com imagens da lua seriam permitidos: Não está escrito: “Vocês não devem fazer comigo, deuses de prata, tampouco façam deuses de ouro para si” (Shemot 20 : 19), o que seria interpretado como: Não façam imagens de Meus assistentes, ou seja, aqueles corpos celestes que foram criados para servir aos propósitos divinos, incluindo o sol e a lua então?
Isso introduz uma discussão interessante sobre exatamente quais imagens do sol, da lua e das estrelas seriam permitidas de ter. Depois de algumas discussões tangenciais, o Talmud dá três razões pelas quais o Raban Gamliel Teria sido autorizado a manter esses gráficos: Primeiro, ele estava sempre cercado por outras pessoas, então não haveria suspeita de que ele estaria nutrindo concepções idólatras. Em segundo lugar, talvez a imagem da lua estivesse incompleta (דִּפְרָקִים הֲוָה), e apenas as imagens completas da lua é que seriam proibidas e, finalmente, talvez ele tivesse guardado esses mapas para estudar e aprender com eles sobre a astronomia da época. Isso seria permitido pois com base no que foi escrito: “Não aprenderás a fazer (לֹא תִּלְמַד לַעֲשׂוֹת) conforme as abominações daquelas nações” (Devarim 18 : 9), indicaria que você pode aprender, para compreender e a ensinar, em vez de aprender para imitar.”
Séculos depois, o código de Lei Judaica chamado Shul'han Aru'h codificou a ideia do seguinte modo:
שולחן ערוך יורד דעה 141:4
וצורת חמה ולבנה וכוכבים אסור בין בולטת בין שוקעת ואם הם להתלמד להבין ולהורות כולן מותרות אפי' בולטות (ויש מתירין בשל רבים דליכא חשדא) (טור בשם הרא"ש)
É proibido fazer qualquer tipo de representação modelo do sol, da lua e das estrelas, seja em relevo positivo ou negativo, mas se os modelos ou imagens forem para estudo, todos são permitidos.
Então, ficou claro no Shul'han Aru'h que seria proibido fazer imagens do sol, da lua e das estrelas como decoração. E, no entanto, isso é precisamente o que foi descoberto em várias sinagogas antigas de Israel! Isso mostra que a legislação de 1565 estava completamente deslocada da prática dos israelitas do mundo antigo.
O ZODÍACO NO SHUL
Como observou um artigo publicado no Ha'artez, existem de fato, em várias sinagogas antigas encontradas por arqueólogos, imagens consideradas idólatras então, do zodíaco, que puderam ser encontradas em mosaicos de piso.
Por exemplo, temos as sinagogas em Tzipori, Hamat Tiberiah, Hossefa (Usfí'ia) e Hukok no norte, e em Sussía e Naharan na região da antiga Judéia.
Talvez a mais famosa seja a escavação realizada em Beit Alfa.
O mosaico encontrado foi o seguinte:

No centro, escreveu a eminente arqueóloga israelense Rachel Hachili, se vê uma ilustração do 'deus do sol' - ou, Sol Invictus - sendo representado por seu busto e coroa, seus cavalos por suas pernas e cabeças, e sua carruagem por sua frente e duas rodas.
A Doutora Hachili nos mostra as características típicas desses notáveis mosaicos, dizendo:
O círculo externo do desenho contém os 12 signos do zodíaco, identificados com os 12 meses do ano.
Se vê que Áries seria o primeiro signo, sendo o primeiro mês da primavera.
De acordo com sua posição no círculo, vemos que em Nakaran e Hussaifa segue-se o sentido horário, enquanto que em Beit-Alpha e Tiberíades, se segue o sentido anti-horário.
Os signos (representando meses) não correspondem às estações, exceto nas escavações encontradas em Tiberíades e Antioquia, onde os signos zodiacais e as estações eram coordenados, embora em Antioquia tenhamos encontrado até as personificações dos meses em vez dos signos zodiacais.
Há uma série de diferenças entre essas imagens "judaicas" do Zodíaco e aquelas encontradas nos templos romanos, mas ela observou que:
“Comparando os zodíacos dos quatro pisos de mosaico da sinagoga e traçando sua origem e desenvolvimento da arte romana, pode-se concluir que o painel zodiacal judaico era um calendário litúrgico.
Em cada calendário judaico, a forma, composição e equilíbrio do esquema de três partes são idênticos, sugerindo a existência de um protótipo ...
O design tem suas raízes na arte do período anterior com os dois designs principais que fazem parte do Calendário judaico: o zodíaco astronômico e o calendário agrícola.
O esquema judaico unificava ambos os conceitos, no design distinto das estações, signos zodiacais e a ideia do deus do sol, significando um calendário litúrgico.
Quando a sinagoga substituiu o Templo na funcionalidade, os atos rituais anuais, realizados pelos kohanim, eram representados simbolicamente na arte da sinagoga.
O calendário tornou-se a estrutura dos ritos anuais agora promulgados pela comunidade.
Assim, foi garantida uma localização central nos pisos de mosaico da sinagoga do mundo antigo.
Claramente, na época dessas sinagogas, do quarto ao sexto séculos da era comum, os judeus locais ficavam confortáveis com a arte representacional.
Se pode presumir que eles objetariam às representações de deuses pagãos per se, portanto, a divindade solar nas sinagogas deveria representar a divindade de Israel, conforme a maioria dos estudiosos concorda.
- Ha'aretz, 16 de setembro de 2020
HELENISMO OU POPULISMO?
Alguns interpretaram esses mosaicos como evidência de que as sinagogas antigas praticavam uma forma diferente de culto judaico.
“Não era o judaísmo rabínico que conhecemos hoje, que eventualmente se tornaria o Judaísmo popular”,
escreveram Elon Gilad e Ruth Schuster em seu artigo no Haaretz,
“mas na época, estava apenas tomando forma à margem do mundo judaico.
Os judeus que rezavam nessas e em outras sinagogas pertenciam ao que era então, a corrente principal do Judaísmo, mas agora está há muito esquecido: O Judaísmo Helenístico”.
Eles sugerem que “esses shuls (termo ídiche para sinagoga) e seus mosaicos, só parecem estranhos quando comparados às sinagogas posteriores do Judaísmo rabínico, mas estão perfeitamente alinhados com os cultos judaico-romanos da época.
Na verdade, o Judaísmo helenístico era mais bem compreendido como um culto romano.”
Gilad e Schuster continuam:
A evolução do Judaísmo é bastante semelhante à evolução das espécies biológicas. Não é uma progressão direta do Judaísmo do Primeiro Templo para o Judaísmo do Segundo Templo e depois para o Judaísmo Rabínico, como a história judaica é frequentemente vista. Em vez disso, a religião evoluiu com o tempo e algumas formas foram falsos princípios, enquanto outras se espalharam e continuaram a evoluir até hoje, como o Judaísmo rabínico, o cristianismo, o Samaritanismo e o Judaísmo caraíta. Para retornar à metáfora dos dinossauros e dos minúsculos animais peludos dos quais evoluímos, poderíamos dizer que o Judaísmo helenístico com seus mosaicos zodiacais era como os dinossauros: Grandes na época, mas destinados à extinção - na calamitosa Idade Média. Foi o pequeno, na época quase imperceptível, Judaísmo Rabínico que sobreviveu a esses desastres e se tornou o Judaísmo de períodos posteriores, muito parecido com os roedores que sobreviveram ao desastre de extermínio de dinossauros do qual eventualmente evoluímos.
Mas outros pesquisadores não têm tanta certeza.
Em sua obra clássica, Jewish Symbols in the Greco-Roman Period = Símbolos Judaicos no Período Greco-Romano, o arqueólogo Erwin Goodenough (1893-1965) escreveu que
“o Zodíaco nas sinagogas, com o Helios no centro portanto, parece-me proclamar que a divindade cultuada na sinagoga era a divindade que havia feito as estrelas, e se revelou através delas em lei e ordem cósmica e portanto, retidão, mas que era ele mesmo o "cocheiro" (da carroça) guiando o universo e toda a sua ordem e lei.”
Ele continuou:
Na verdade, o andar de Beit Alpha como um todo, o único que mostra o zodíaco em sua configuração original completa, parece-me delinear uma concepção elaborada do judaísmo.
No centro é apresentada a natureza divina como um governante cósmico.
Acima daquilo, estão os símbolos de sua revelação específica aos israelitas, principalmente a Torá, no santuário dela; abaixo na amarração de Itzhak fica, eu imagino, a expiação oferecida na cena da Akedah.
Tudo isso está rodeado por símbolos místicos familiares: pássaros, animais e cestos dentro dos interstícios da videira.
No topo de tudo estão discretamente peixinhos e cachos de uvas.
É improvável que jamais possamos determinar qual explicação é correta, mas os mosaicos do zodíaco encontrados em sinagogas antigas, certamente representavam um Judaísmo bastante diferente daquele descrito na página de hoje do Talmud, em que há uma proibição quase que absoluta de fazer imagens do sol, da lua e do estrelas.
Era uma época em que essas imagens faziam parte da decoração da sinagoga.
